sexta-feira, 30 de julho de 2010

O pintor


- Quer um copo d´água, senhor? Tá muito quente hoje.
- Aceito sim, obrigado.
Ele não olhava nos olhos, ficou cego do mundo, dizia.
(...)
- Também não gosto de falar com quem conheço, moça... a vida até parece que empurra as verdades contra a gente. Só tive vida enquanto ele era vivo, moça. Meu filho, tão pequeno ser levado assim... A gente prefere ir junto...
Os moradores ficam pedindo pra eu não cair daqui, pra não assustar o prédio... Imagina... eu estou no décimo andar, quase que pertinho de Deus... pinto a fachada do prédio e cada pincelada é um esquecimento do hoje. O medo quem faz é a gente... Era isso que eu queria, não ter mais medo, moça... Vivo pra dizer que eu tô bem.

............................................................................................................

Fui ao banheiro lavar meu rosto. Peguei a toalhinha pra enxugar... Do lado dela apareceu uma formiguinha... Só. Os azulejos do meu banheiro, eles são meio manchados. Eu mesma nunca reparei. Pois que aquela formiguinha estava andando em círculos (se não me falha a memória, as formigas andam juntas, pelo rastro não se perdem e, por isso, seguem umas as outras até chegar ao destino). Não sei por que, mas parei algum tempo ali em frente e imaginei uma vida inteira... Ela andava sobre as manchas, às vezes reto, às vezes pra trás, às vezes parava... E, às vezes, parecia que ela seguia o contorno das manchas do azulejo só porque não sabia mais tentar. Ela não sabia voltar. Eu não sabia para onde.